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Querela Nullitatis Insanabilis: Como anular sentença mesmo após o trânsito em julgado?

Você sabia que certas decisões judiciais podem ser anuladas mesmo depois de transitadas em julgado? Essa é a premissa central da querela nullitatis insanabilis, ação destinada a impugnar sentenças contaminadas por vícios tão graves – os chamados vícios transrescisórios – que as tornam juridicamente inexistentes.


Com base em jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), este artigo explica quando e como utilizar a querela nullitatis para anular sentenças eivadas de nulidades insanáveis, sem depender da tradicional e limitada ação rescisória.


O que é Querela Nullitatis Insanabilis?


querela nullitatis insanabilis – ou ação declaratória de inexistência da sentença – é um instrumento excepcional de impugnação de decisões judiciais proferidas em processos marcados por vícios gravíssimos, como a ausência de citação válida. Esses vícios são chamados de transrescisórios, pois nem mesmo após o prazo de 2 anos da ação rescisória o vício é afetado pela coisa julgada.


Conforme reconhecido pelo STJ, a sentença proferida sem citação válida – pressuposto essencial de existência do processo – é juridicamente inexistente. Ela simplesmente não existe no mundo jurídico, o que justifica a sua impugnação a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado e depois de transcorrido o prazo da ação rescisória (2 anos do trânsito em julgado).


Quais são os Vícios Transrescisórios?


Os principais exemplos de vícios transrescisórios incluem:


– ausência de pressuposto processual de existência do processo;


– falta ou nulidade de citação do réu;


– sentença extra petita.



Esses vícios são imprescritíveis, pois violam diretamente os pilares do processo válido: contraditório, ampla defesa e devido processo legal.


A jurisprudência tem reiterado que vícios como ausência de citação ou sentença extra petita não apenas violam o devido processo legal, mas são passíveis de reconhecimento ex officio, conforme já decidiu o STJ no AgInt no REsp 2.025.585/PR.


Jurisprudência do STJ: Não é necessária ação autônoma


Em importante precedente (REsp 2.025.585/PR e REsp 1.930.225/SP), o STJ consolidou o entendimento de que a pretensão da querela nullitatis pode ser deduzida por qualquer meio processual adequado, inclusive:


– Ação declaratória genérica:
– Impugnação ao cumprimento de sentença;
– Exceção de pré-executividade;
– Simples petição;
– Mandado de segurança;
– Ação civil pública.



Não é necessário ajuizar ação autônoma específica para discutir a nulidade insanável. A corte adotou a instrumentalidade das formas e a fungibilidade processual como fundamentos para afastar o formalismo excessivo.


Princípios Aplicados: Celeridade, Economia e Efetividade


O STJ tem reiterado que a querela nullitatis não é um procedimento, mas uma pretensão que pode ser veiculada por diversos meios. O objetivo é garantir:

– Efetividade da tutela jurisdicional
– Celeridade processual
– Economia de atos
– Prevalência da verdade real sobre a forma



Esse entendimento permite que a parte prejudicada por uma sentença nula não seja privada de justiça apenas por ter escolhido a “via processual errada”.


Exemplos Práticos Admitidos pelo STJ


– Reconhecimento da nulidade via petição simples (AgInt no REsp 2.025.585/PR);
– Impugnação em cumprimento de sentença (REsp 1.930.225/SP);
– Mandado de segurança para impedir reintegração de posse (RMS 14359/MG);
– Ação civil pública para declarar nulidade por ausência de citação (REsp 1015133/MT);
– Conversão de ação rescisória fora do prazo em ação de nulidade (REsp 1993898/BA)


Doutrina Reforça a Flexibilização


Autores renomados como Daniel Amorim Assumpção Neves, Teresa Arruda Alvim, Cândido Rangel Dinamarco e Adroaldo Furtado Fabrício sustentam que a querela nullitatis é instrumento legítimo e necessário para o controle da legalidade e da justiça processual.


Eles defendem a possibilidade de pluralidade de meios para impugnar nulidades insanáveis, desde que respeitados os direitos fundamentais e o contraditório.


Conclusão: A Querela Nullitatis é um poderoso mecanismo de justiça


A querela nullitatis insanabilis não apenas resgata a ideia de justiça material, como também corrige distorções processuais gravíssimas. Se você ou seu cliente foi condenado ou prejudicado por uma decisão sem citação válida, com ausência de pressupostos processuais de existência, após o prazo para propor ação rescisória, a sentença pode ser anulada a qualquer tempo.


A querela nullitatis é o remédio jurídico que separa o justo do apenas formal. Onde não houve processo válido, não há coisa julgada. Há apenas uma aparência de legalidade – que pode e deve ser desfeita.


Dr. Héctor Luiz Borecki Carrillo, advogado, OAB-SP nº250.028.


Leia os precedentes


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OMISSÃO. NÃO RECONHECIDA. QUERELA NULLITATIS. AUSENCIA DE CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.


1. Ação rescisória.

2. Esta Corte firmou o entendimento segundo o qual o defeito ou a inexistência da citação opera-se no plano da existência da sentença, caracterizando-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo, mediante simples petição ou por meio de ação declaratória de nulidade (“querela nullitatis”). Precedentes.

3. Considerados os princípios da celeridade e da economia processual, bem como a instrumentalidade das formas, não se vislumbra prejuízo na determinação do Tribunal de origem que, ao receber ação rescisória, entendeu que a ação cabível é a declaratória de nulidade, a qual não possui competência para apreciar e, por isso, determinou a remessa dos autos ao Juízo de Primeiro grau para que os receba como “querela nullitatis”.

4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 2.025.585/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 19/6/2024.)


“QUERELA NULLITATIS” – Ação declaratória de inexistência de decisão judicial válida – Adequação da via eleita – Defeito ou inexistência da citação opera-se no plano da existência da sentença, caracterizando-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo – Citação por edital realizada nos termos do artigo 231 e 232 do Código de Processo Civil de 1973, sem realização de diligências devidas – Vício de citação caracterizado – Impossibilidade de desmembramento da demanda em razão da condenação solidária da ação originária – Apelação fazendária não provida – Apelação da Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A provida. (TJSP; Apelação Cível 1029713-38.2023.8.26.0053; Relator (a): Fermino Magnani Filho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 7ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/06/2025; Data de Registro: 02/07/2025)


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE QUERELA NULLITATIS INSANABILIS – Pretensão de anulação de atos proferidos em ação de usucapião – Sentença de procedência – Insurgência da ré – Não cabimento – Ausência de citação dos herdeiros do co possuidor do imóvel em ação de usucapião, cujo pedido fora julgado procedente – Citação editalícia genérica que não supre o vício – Alegação de desconhecimento dos outros herdeiros, quatro filhos e duas netas do seu falecido companheiro, descaracterizada pelos elementos dos autos – Nulidade da sentença proferida na ação de usucapião bem reconhecida – Precedentes deste E. Tribunal – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1002368-18.2024.8.26.0553; Relator (a): Lucilia Alcione Prata; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo Anastácio – Vara Única; Data do Julgamento: 03/07/2025; Data de Registro: 03/07/2025)


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO VERIFICADA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL E A ENUNCIADO SUMULAR. NÃO CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL. ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS E BENFEITORIAS. SENTENÇA DECLARATÓRIA DE USUCAPIÃO EM PROCESSO ANTERIOR. EVENTUAL VÍCIO TRANSRESCISÓRIO. NULIDADE QUE NÃO REQUER AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA E ESPECÍFICA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. RECURSO PROVIDO.
1. Ação declaratória de nulidade, da qual se extrai o presente recurso especial, interposto em 9/2/2022 e concluso ao Gabinete em 5/7/2024.

2. O propósito recursal é decidir, além da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, se, para fins de verificação do interesse de agir como condição da ação, a pretensão da querela nullitatis (para declaração de nulidade de decisão transitada em julgado por vício transrescisório) deve ser requerida em ação declaratória específica e autônoma ou se pode ser formulada em demanda em que se apresenta como questão incidental ou prejudicial para o exame de outros pedidos.

3. Inexistência de ofensa ao art. 489 e ao art. 1.022 do CPC e de negativa de prestação jurisdicional. 4. Não cabimento de recurso especial por suposta violação de dispositivos constitucionais de enunciado de sumular. Precedentes.
Súmula n. 518/STJ.

5. Vício transrescisório representa nulidade que, dado seu elevado grau de ofensividade ao sistema jurídico, não pode ser mantida ainda que decorrente de decisão transitada em julgado e após ultrapassado o prazo decadencial da ação rescisória.

6. Quando verificado (como ocorre diante da falta de citação), o vício transrescisório pode ser impugnado por meio da chamada querela nullitatis insanabilis (reclamação de nulidade incurável) ou apenas querela nullitatis.

7. A querela nullitatis, no âmbito da jurisprudência do STJ, tem sido compreendida como “pretensão” e não como “procedimento”. Assim, tem recebido tratamento direcionado à promoção do princípio da instrumentalidade das formas, de modo a garantir celeridade, economia e efetividade processual.

8. Como consequência, o STJ admite a invocação da nulidade de decisões transitadas em julgado eivadas de vícios transrescisórios sem a necessidade de forma específica ou de propositura de uma ação declaratória autônoma.

9. A pretensão da querela nullitatis, assim, a depender das circunstâncias de cada hipótese, pode estar inserida em questão prejudicial ou principal da demanda, bem como pode ser arguida através de diferentes meios processuais (como ações declaratórias em geral, alegação incidental em peças defensivas, cumprimento de sentença, ação civil pública e mandado de segurança). Precedentes.

10. Hipótese em que, em trâmite há mais de quinze anos, a demanda foi extinta, sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual, diante da inadequação da via eleita, sob o fundamento de que a nulidade de sentença de usucapião transitada em julgado, em processo anterior, apenas poderia ser reconhecida por meio de ação autônoma.

11. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(REsp n. 2.095.463/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 21/3/2025.)


AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO RESCINDENDA PUBLICADA EM NOME DE ADVOGADO QUE NUNCA REPRESENTOU O AUTOR NOS AUTOS DA AÇÃO ORIGINÁRIA. NULIDADE. DETERMINAÇÃO DE NOVA PUBLICAÇÃO DA DECISÃO RESCINDENDA COM REABERTURA DO PRAZO DO RECURSO. CONSEQUENTE INVIABILIDADE DE NOVO JULGAMENTO DA CAUSA, NO CASO. PEDIDO PROCEDENTE EM PARTE. (AR n. 6.463/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 12/4/2023, DJe de 5/5/2023.)


PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. QUERELA NULLITATIS. AVENTADA AUSÊNCIA DE EFETIVA CITAÇÃO DOS AUTORES. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA.

1. A ação de querela nullitatis é remédio vocacionado ao combate de sentença contaminada pelos vícios mais graves dos erros de atividade (errores in procedendo), nominados de vícios transrescisórios, que tornam a sentença inexistente, não se sanando com o transcurso do tempo.

2. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição, omissão ou erro material, consoante dispõe o artigo 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil.

3. A violação ao art. 535 do Código de Processo Civil configurou-se no caso dos autos, uma vez que, a despeito da oposição de embargos de declaração – nos quais os recorrentes apontam a existência de omissão, mormente no tocante à falta de efetiva citação dos demandados no processo de reintegração de posse -, o Tribunal não se manifestou de forma satisfatória sobre o alegado, notadamente pelo fato de ter afirmado que essa matéria já fora analisada em outros julgados, o que não ocorreu.

4. O enfrentamento da questão ventilada nos embargos de declaração é absolutamente insuperável e não pode ser engendrado pela primeira vez nesta Corte, principalmente pelo óbice da Súmula 7 do STJ.

5. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.201.666/TO, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/6/2014, DJe de 4/8/2014.)


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FAIXA DE FRONTEIRA. BEM DA UNIÃO. ALIENAÇÃO DE TERRAS POR ESTADO NÃO TITULAR DO DOMÍNIO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. “TRÂNSITO EM JULGADO”. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO JUDICIAL. PRETENSÃO QUERELA NULLITATIS. CABIMENTO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RETORNO DOS AUTOS À CORTE REGIONAL PARA EXAME DO MÉRITO DAS APELAÇÕES. 1. O INCRA ajuizou ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária contra Antônio Mascarenhas Junqueira e outros, objetivando a aquisição da posse e do domínio do imóvel denominado “Gleba Formosa”, com área de 14.000 ha (quatorze mil hectares), situado no Município Mato Grossense de Vila Bela da Santíssima Trindade. O processo transitou em julgado e, por ordem judicial, o INCRA emitiu diversas TDAs para indenização da terra nua e fez o pagamento de alguns precatórios, estando a dívida quitada apenas em parte. Nesse ínterim, a autarquia expropriante propôs a presente ação civil pública contra o Estado do Mato Grosso e diversos particulares nominados na petição inicial para evitar a ocorrência de dano grave ao patrimônio público federal, com o objetivo de obter: (a) a declaração de nulidade de registros imobiliários decorrentes de titulações feitas a non domino pelo Estado réu sobre terras devolutas situadas na faixa de fronteira do Brasil com a Bolívia, de plena titularidade federal desde a Constituição de 1891 até os dias atuais; (b) o reconhecimento judicial de que não é devida qualquer indenização decorrente de ação expropriatória anteriormente ajuizada pelo INCRA contra os particulares que figuram como réus nesta ação; e (c) a condenação ao ressarcimento de todos os valores que tenham sido pagos indevidamente com base no título judicial extraído da desapropriação.

2. O Juízo de 1º Grau julgou procedentes os pedidos formulados na ação. O TRF da 1ª Região reformou a sentença por entender que “a ação civil pública (…) não tem serventia para buscar a anulação de venda de terras devolutas por Estado-membro, posteriormente desapropriadas e com sentença passada em julgado, até mesmo porque não é sucedâneo serôdio da ação rescisória não proposta no biênio legal”(fl.1556).

3. A Sra. Ministra Eliana Calmon, relatora do caso, negou provimento aos dois recursos especiais, por entender que, “em respeito à coisa julgada e à segurança jurídica, incabível a ação civil pública, que, pela via transversa, busca declarar nulo o título de domínio, rescindir o julgado na ação de desapropriação e condenar os particulares a devolverem valores recebidos em cumprimento de uma ordem judicial”.

4. Do regime jurídico da faixa de fronteira e da natureza do vício decorrente de alienação por quem não detém o domínio.

4.1. O domínio público sobre a porção do território nacional localizada na zona de fronteira com Estados estrangeiros sempre foi objeto de especial atenção legislativa, sobretudo constitucional. As razões dessa preocupação modificaram-se com o tempo, principalmente quando da sucessão do regime imperial para o republicano, mas sempre estiveram focadas nos imperativos de segurança nacional e de desenvolvimento econômico.

4.2. A faixa de fronteira é bem de uso especial da União pertencente a seu domínio indisponível, somente autorizada a alienação em casos especiais desde que observados diversos requisitos constitucionais e legais.

4.3. Compete ao Conselho de Defesa Nacional, segundo o art. 91, § 1º, III, da CF/88, propor os critérios e condições de utilização da faixa de fronteira. Trata-se de competência firmada por norma constitucional, dada a importância que a CF/88, bem como as anteriores a partir da Carta de 1891, atribuiu a essa parcela do território nacional.

4.4. Nos termos da Lei 6.634/79, recepcionada pela CF/88, a concessão ou alienação de terras públicas situadas em faixa de fronteira dependerá, sempre, de autorização prévia do Conselho de Segurança Nacional, hoje Conselho de Defesa Nacional.

4.5. O ato de assentimento prévio consiste em uma autorização preliminar essencial para a prática de determinados atos, para o exercício de certas atividades, para a ocupação e a utilização de terras ao longo da faixa de fronteira, considerada fundamental para a defesa do território nacional e posta sob regime jurídico excepcional, a teor do disposto no § 2º do art. 20, da Constituição Federal. É por meio do assentimento prévio que o Estado brasileiro busca diagnosticar a forma de ocupação e exploração da faixa de fronteira, a fim de que se possam desenvolver atividades estratégicas específicas para o desenvolvimento do país, salvaguardando a segurança nacional.

4.6. A faixa de fronteira não é somente um bem imóvel da União, mas uma área de domínio sob constante vigilância e alvo de políticas governamentais específicas relacionadas, sobretudo, às questões de segurança pública e soberania nacional.

4.7. A importância da área deve-se, também, à relação estreita que mantém com diversas outras questões igualmente relevantes para o Governo Federal, entre elas: (a) questões indígenas, pois, segundo informações da Secretaria de Patrimônio da União, 30% da faixa de fronteira é ocupada por terras indígenas, já demarcadas ou não; (b) questões fundiárias relacionadas à grilagem e conflito de terras;

(c) questões sociais da mais alta relevância, como a invasão de terras por movimentos sociais e a exploração de trabalhadores em regime de semi-escravidão; (d) questões criminais referentes ao narcotráfico, tráfico de armas, descaminho, crimes ambientais – como a exploração ilegal de madeira e a venda ilícita de animeis silvestres – assassinato de lideranças indígenas, de trabalhadores rurais, de posseiros, de sindicalistas e até de missionários religiosos; (e) questões de Direito Internacional relacionadas à necessidade de integração regional com os países membros do Mercosul e das demais organizações de que o Brasil seja parte.

4.8. Qualquer alienação ou oneração de terras situadas na faixa de fronteira, sem a observância dos requisitos legais e constitucionais, é “nula de pleno direito”, como diz a Lei 6.634/79, especialmente se o negócio imobiliário foi celebrado por entidades estaduais destituídas de domínio.

4.9. A alienação pelo Estado a particulares de terras supostamente situadas em faixa de fronteira não gera, apenas, prejuízo de ordem material ao patrimônio público da União, mas ofende, sobretudo, princípios maiores da Constituição Federal, relacionados à defesa do território e à soberania nacional.

4.10. O regime jurídico da faixa de fronteira praticamente não sofreu alterações ao longo dos anos desde a primeira Constituição Republicana de 1891, razão porque pouco importa a data em que for realizada a alienação de terras, devendo sempre ser observada a necessidade de proteção do território nacional e da soberania do País.

5. Da nulidade absoluta e da pretensão querela nullitatis insanabilis.

5.1. O controle das nulidades processuais, em nosso sistema jurídico, comporta dois momentos distintos: o primeiro, de natureza incidental, é realizado no curso do processo, a requerimento das partes, ou de ofício, a depender do grau de nulidade. O segundo é feito após o trânsito em julgado, de modo excepcional, por meio de impugnações autônomas. As pretensões possíveis, visando ao reconhecimento de nulidades absolutas, são a ação querela nullitatis e a ação rescisória, cabíveis conforme o grau de nulidade no processo originário.

5.2. A nulidade absoluta insanável – por ausência dos pressupostos de existência – é vício que, por sua gravidade, pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em julgado, mediante simples ação declaratória de inexistência de relação jurídica (o processo), não sujeita a prazo prescricional ou decadencial e fora das hipóteses taxativas do art. 485 do CPC (ação rescisória). A chamada querela nullitatis insanabilis é de competência do juízo monocrático, pois não se pretende a rescisão da coisa julgada, mas apenas o reconhecimento de que a relação processual e a sentença jamais existiram. 5.3. A doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar que a ausência de citação ou a citação inválida configuram nulidade absoluta insanável por ausência de pressuposto de existência da relação processual, o que possibilita a declaração de sua inexistência por meio da ação querela nullitatis.

5.4. Na hipótese, pelo que alegam o INCRA e o Ministério Público Federal, as terras foram alienadas a particulares pelo Estado do Mato Grosso que não detinha o respectivo domínio, já que se trata de área supostamente situada na faixa de fronteira, bem pertencente à União desde a Carta Constitucional republicana de 1891. Ocorre que a ação de desapropriação foi proposta contra os particulares que receberam do Estado do Mato Grosso terras que não lhe pertenciam, jamais tendo participado do feito o legítimo titular do domínio – a União.

5.5. A União não participou do feito expropriatório e, ainda que tivesse participado, a simples alegação de que a área expropriada lhe pertence gera dúvida razoável quanto a uma das condições da ação, especificamente o interesse processual, pois, provado o domínio federal, desaparece a utilidade do processo, já que impossível desapropriar o que é própio.

5.6. A pretensão querela nullitatis pode ser exercida e proclamada em qualquer tipo de processo e procedimento de cunho declaratório. A ação civil pública, por força do que dispõe o art. 25, IV, “b”, da Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público), pode ser utilizada como instrumento para a anulação ou declaração de nulidade de ato lesivo ao patrimônio público.

5.7. A ação civil pública surge, assim, como instrumento processual adequado à declaração de nulidade da sentença, por falta de constituição válida e regular da relação processual.

5.8. A demanda de que ora se cuida, embora formulada com a roupagem de ação civil pública, veicula pretensão querela nullitatis, vale dizer, objetiva a declaração de nulidade da relação processual supostamente transitada em julgado por ausência de citação da União ou, mesmo, por inexistência da própria base fática que justificaria a ação desapropriatória, já que a terra desapropriada, segundo alega o autor, já pertencia ao Poder Público Federal.

6. Do conteúdo da ação de desapropriação e da ausência de trânsito em julgado quanto às questões relativas ao domínio das terras desapropriadas.

6.1. A ação de desapropriação não transitou em julgado quanto à questão do domínio das terras expropriadas – até porque jamais foi discutida nos autos do processo -, mas tão somente quanto ao valor da indenização paga. Não houve, portanto, trânsito em julgado da questão tratada na presente ação civil pública. Apenas os efeitos desta, se julgados procedentes os pedidos, poderão, por via indireta, afetar o comando indenizatório contido na sentença da ação expropriatória já transitada em julgado.

6.2. A inexistência de coisa julgada material quanto à discussão sobre o domínio das terras desapropriadas afasta o fundamento de que se valeu o acórdão recorrido para extinguir o processo sem resolução de mérito por inadequação da via eleita. Com efeito, a ação civil pública é o instrumento processual adequado para se obter a declaração de nulidade de ato, ainda que judicial, lesivo ao patrimônio público, sobretudo quando consagra indenização milionária a ser suportada por quem já era titular do domínio da área desapropriada.

7. Da ausência de coisa julgada quando a sentença ofende abertamente o princípio constitucional da “justa indenização” – A Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional.

7.1. O princípio da “justa indenização” serve de garantia não apenas ao particular – que somente será desapossado de seus bens mediante prévia e justa indenização, capaz de recompor adequadamente o acervo patrimonial expropriado -, mas também ao próprio Estado, que poderá invocá-lo sempre que necessário para evitar indenizações excessivas e descompassadas com a realidade.

7.2. Esta Corte, em diversas oportunidades, assentou que não há coisa julgada quando a sentença contraria abertamente o princípio constitucional da “justa indenização” ou decide em evidente descompasso com dados fáticos da causa (“Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional”).

7.3. Se a orientação sedimentada nesta Corte é de afastar a coisa julgada quando a sentença fixa indenização em desconformidade com a base fática dos autos ou quando há desrespeito explícito ao princípio constitucional da “justa indenização”, com muito mais razão deve ser “flexibilizada” a regra, quando condenação milionária é imposta à União pela expropriação de terras já pertencentes ao seu domínio indisponível, como parece ser o caso dos autos.

8. A Primeira Seção, por ambas as Turmas, reconhece na ação civil pública o meio processual adequado para se formular pretensão declaratória de nulidade de ato judicial lesivo ao patrimônio público (querela nullitatis). Precedentes.

9. O provimento à tese recursal não implica julgamento sobre o mérito da causa, mas apenas o reconhecimento de que a ação civil pública é o instrumento processual adequado ao que foi postulado na demanda em razão de todo o substrato fático narrado na inicial.

Assim, ultrapassada a preliminar de inadequação da via, caberá à Corte regional, com total liberdade, examinar o recurso de apelação interposto pelos ora recorridos.

10. Recursos especiais providos. (REsp n. 1.015.133/MT, relatora Ministra Eliana Calmon, relator para acórdão Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 2/3/2010, DJe de 23/4/2010.) PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. QUERELA NULLITATIS. AVENTADA AUSÊNCIA DE EFETIVA CITAÇÃO DOS AUTORES. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA.

1. A ação de querela nullitatis é remédio vocacionado ao combate de sentença contaminada pelos vícios mais graves dos erros de atividade (errores in procedendo), nominados de vícios transrescisórios, que tornam a sentença inexistente, não se sanando com o transcurso do tempo.

2. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição, omissão ou erro material, consoante dispõe o artigo 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil.

3. A violação ao art. 535 do Código de Processo Civil configurou-se no caso dos autos, uma vez que, a despeito da oposição de embargos de declaração – nos quais os recorrentes apontam a existência de omissão, mormente no tocante à falta de efetiva citação dos demandados no processo de reintegração de posse -, o Tribunal não se manifestou de forma satisfatória sobre o alegado, notadamente pelo fato de ter afirmado que essa matéria já fora analisada em outros julgados, o que não ocorreu.

4. O enfrentamento da questão ventilada nos embargos de declaração é absolutamente insuperável e não pode ser engendrado pela primeira vez nesta Corte, principalmente pelo óbice da Súmula 7 do STJ.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.201.666/TO, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/6/2014, DJe de 4/8/2014.)

AÇÃO QUERELLA NULITATIS. PREVIDÊNCIA PRIVADA. DECISÃO EXTRA PETITA. CABIMENTO. VÍCIO TRANSRESCISÓRIO. NULIDADE. NOVO JULGAMENTO. ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO. TUTELA PROVISÓRIA. – Trata-se de querela nullitatis ajuizada pela Fundação Banrisul de Seguridade Social com o escopo de anular o acórdão proferido na apelação nº 70011680204, pelo 3º Grupo Cível, já com trânsito em julgado, sob o argumento de que não observados os limites do pedido inicial, mediante violação dos arts. 141 e 492 do CPC, sendo a decisão extra petita. Cabimento: a querela nullitatis é demanda declaratória de inexistência do processo, por isso cabível quando não preenchidos os seus pressupostos de existência, o que impede a formação da coisa julgada material. As decisões extra petitas são existentes, porém nulas pois eivadas de nulidades sanáveis, mas que, entretanto, são ineficazes e não formam coisa julgada. – Caso em que houve inclusão de verbas não devidas e que não foram objeto da ação de conhecimento diretamente no cumprimento de sentença, o que torna a decisão extra petita e, portanto, passível de querella nulitatis. O pedido inicial não envolvia aquilo que foi postulado em cumprimento de sentença e assim mantido, configura violação ao princípio da congruência ou correlação (arts. 141 e 492 do CPC), pois resultou na concessão de verbas diversas das postuladas. – Pedido acolhido para anular o acórdão proferido na apelação nº 70011680204, uma vez que não há observância dos limites da lide. AÇÃO PROCEDENTE. UNÂNIME.(Tutela Cautelar Antecedente, Nº 52441502120228217000, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 28-09-2023)


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